domingo, 31 de janeiro de 2010

Cântico Negro

"Vem por aqui" - dizem-me alguns com os olhos doces
Estendendo-me os braços, e seguros
De que seria bom que eu os ouvisse
Quando me dizem: "vem por aqui!"
Eu olho-os com olhos lassos,
(Há, nos olhos meus, ironias e cansaços)
E cruzo os braços,
E nunca vou por ali...

A minha glória é esta:
Criar desumanidade!
Não acompanhar ninguém.
- Que eu vivo com o mesmo sem-vontade
Com que rasguei o ventre à minha mãe

Não, não vou por aí! Só vou por onde
Me levam meus próprios passos...

Se ao que busco saber nenhum de vós responde
Por que me repetis: "vem por aqui!"?

Prefiro escorregar nos becos lamacentos,
Redemoinhar aos ventos,
Como farrapos, arrastar os pés sangrentos,
A ir por aí...

Se vim ao mundo, foi
Só para desflorar florestas virgens,
E desenhar meus próprios pés na areia inexplorada!
O mais que faço não vale nada.

Como, pois sereis vós
Que me dareis impulsos, ferramentas e coragem
Para eu derrubar os meus obstáculos?...
Corre, nas vossas veias, sangue velho dos avós,
E vós amais o que é fácil!
Eu amo o Longe e a Miragem,
Amo os abismos, as torrentes, os desertos...

Ide! Tendes estradas,
Tendes jardins, tendes canteiros,
Tendes pátria, tendes tectos,
E tendes regras, e tratados, e filósofos, e sábios...
Eu tenho a minha Loucura !
Levanto-a, como um facho, a arder na noite escura,
E sinto espuma, e sangue, e cânticos nos lábios...

Deus e o Diabo é que guiam, mais ninguém.
Todos tiveram pai, todos tiveram mãe;
Mas eu, que nunca principio nem acabo,
Nasci do amor que há entre Deus e o Diabo.

Ah, que ninguém me dê piedosas intenções!
Ninguém me peça definições!
Ninguém me diga: "vem por aqui"!
A minha vida é um vendaval que se soltou.
É uma onda que se alevantou.
É um átomo a mais que se animou...
Não sei por onde vou,
Não sei para onde vou
- Sei que não vou por aí!


[José Régio]

sábado, 30 de janeiro de 2010

Elogio ao Amor

Miguel Esteves Cardoso

"Há coisas que não são para se perceberem. Esta é uma delas. Tenho uma coisa para dizer e não sei como hei-de dizê-la. Muito do que se segue pode ser, por isso, incompreensível.

A culpa é minha. O que for incompreensível não é mesmo para se perceber. Não é por falta de clareza. Serei muito claro. Eu próprio percebo pouco do que tenho para dizer. Mas tenho de dizê-lo.

O que quero é fazer o elogio do amor puro.

Parece-me que já ninguém se apaixona de verdade.

Já ninguém quer viver um amor impossível. Já ninguém aceita amar sem uma razão.

Hoje as pessoas apaixonam-se por uma questão de prática. Porque dá jeito. Porque são colegas e estão ali mesmo ao lado. Porque se dão bem e não se chateiam muito. Porque faz sentido. Porque é mais barato, por causa da casa. Por causa da cama. Por causa das cuecas e das calças e das contas da lavandaria.

Hoje em dia as pessoas fazem contratos pré-nupciais, discutem tudo de antemão, fazem planos e à mínima merdinha entram logo em "diálogo".

O amor passou a ser passível de ser combinado. Os amantes tornaram-se sócios. Reúnem-se, discutem problemas, tomam decisões.

O amor transformou-se numa variante psico-sócio-bio-ecológica de camaradagem. A paixão, que devia ser desmedida, é na medida do possível. O amor tornou-se uma questão prática. O resultado é que as pessoas, em vez de se apaixonarem de verdade, ficam "praticamente" apaixonadas.

Eu quero fazer o elogio do amor puro, do amor cego, do amor estúpido, do amor doente, do único amor verdadeiro que há, estou farto de conversas, farto de compreensões, farto de conveniências de serviço.

Nunca vi namorados tão embrutecidos, tão cobardes e tão comodistas como os de hoje. Incapazes de um gesto largo, de correr um risco, de um rasgo de ousadia, são uma raça de telefoneiros e capangas de cantina, malta do "tá bem, tudo bem", tomadores de bicas, alcançadores de compromissos, bananóides, borra-botas, matadores do romance, romanticidas.

Já ninguém se apaixona? Já ninguém aceita a paixão pura, a saudade sem fim, a tristeza, o desequilíbrio, o medo, o custo, o amor, a doença que é como um cancro a comer-nos o coração e que nos canta no peito ao mesmo tempo?

O amor é uma coisa, a vida é outra. O amor não é para ser uma ajudinha. Não é para ser o alívio, o repouso, o intervalo, a pancadinha nas costas, a pausa que refresca, o pronto-socorro da tortuosa estrada da vida, o nosso "dá lá um jeitinho sentimental".

Odeio esta mania contemporânea por sopas e descanso. Odeio os novos casalinhos. Para onde quer que se olhe, já não se vê romance, gritaria, maluquice, facada, abraços, flores. O amor fechou a loja. Foi trespassada ao pessoal da pantufa e da serenidade.

Amor é amor. É essa beleza. É esse perigo. O nosso amor não é para nos compreender, não é para nos ajudar, não é para nos fazer felizes. Tanto pode como não pode. Tanto faz. É uma questão de azar. O nosso amor não é para nos amar, para nos levar de repente ao céu, a tempo ainda de apanhar um bocadinho de inferno aberto.

O amor é uma coisa, a vida é outra. A vida às vezes mata o amor. A "vidinha" é uma convivência assassina.

O amor puro não é um meio, não é um fim, não é um princípio, não é um destino. O amor puro é uma condição. Tem tanto a ver com a vida de cada um como o clima.

O amor não se percebe. Não é para perceber. O amor é um estado de quem se sente. O amor é a nossa alma. É a nossa alma a desatar. A desatar a correr atrás do que não sabe, não apanha, não larga, não compreende.

O amor é uma verdade. É por isso que a ilusão é necessária. A ilusão é bonita, não faz mal. Que se invente e minta e sonhe o que quiser.

O amor é uma coisa, a vida é outra. A realidade pode matar, o amor é mais bonito que a vida. A vida que se lixe. Num momento, num olhar, o coração apanha-se para sempre. Ama-se alguém.

Por muito longe, por muito difícil, por muito desesperadamente. O coração guarda o que se nos escapa das mãos. E durante o dia e durante a vida, quando não esta lá quem se ama, não é ela que nos acompanha - é o nosso amor, o amor que se lhe tem.

Não é para perceber. É sinal de amor puro não se perceber, amar e não se ter, querer e não guardar a esperança, doer sem ficar magoado, viver sozinho, triste, mas mais acompanhado de quem vive feliz. Não se pode ceder. Não se pode resistir.

A vida é uma coisa, o amor é outra. A vida dura a Vida inteira, o amor não. Só um mundo de amor pode durar a vida inteira. E valê-la também."

quinta-feira, 28 de janeiro de 2010

Quanto tempo aguentamos contentes?

Numa conversa entre duas amigas ao telemóvel:
- Ana! Cheguei à três dias do Brasil! Estou tão contente… era o sonho da minha vida… O Brasil é lindo, lindo, lindo,… Ó Ana tu também tens de ir lá acredita que vale mesmo a pena!
- Eu já fui ao Brasil à dois anos. Este ano fui ao Egipto…. vi as pirâmides! Ó Carolina, são grandiosas, imponentes, … Tu tens de ir ao Egipto, é completamente diferente do Brasil…
- Pois… Eu ao Egipto nunca fui… Mas ver as pirâmides ali mesmo à nossa frente… bem… deve ser completamente diferente do que vi em livros ou na televisão.
- Podes crer…
- Talvez para o ano vá ao Egipto….

Dois amigos à conversa num bar:
- Epah! Em Junho, finalmente, acabo o 12º ano!
- E depois vais para que universidade? Já pensaste?
- Eu não quero estudar mais… o 12º ano já chega…
- Mas olha que agora á mais viável tirares no mínimo uma licenciatura… já nem falo de um mestrado, nem de um doutoramento….
-Mestrado!?!, Doutoramento!?!.... Eu tiro o 12º ano e fico feliz
- Epah… Hoje toda a gente tira uma licenciatura…. É o mínimo… Além disso, se fores para o ensino superior conheces novas pessoas, vais para outra cidade, vais viver para uma casa longe dos teus pais…
- Pois... Talvez tenhas razão… Dizem que agora o 12º ano vai ser obrigatório… Talvez vá também tirar uma licenciatura! Logo se vê! Fico a pensar nisso!

O Homem só quer aquilo que conhece. O desconhecido não é desejado pelo ser humano, precisamente, por desconhecer a sua existência. Mas quando o Homem tem o conhecimento de algo que ainda não fez ou de tudo aquilo que pode fazer fica descontente.
O conhecimento de possibilidades antes não experimentadas mas que, todavia, o Homem gostaria de experimentar das duas uma: ou levam o Homem à busca e à luta pela sua conquista ou então levam o Homem à depressão.
Ao contrário, quando o Homem desconhece outros estilos de vida, outros carros, outras casas, outras terras, … fica contente na sua casa…


O Quinto Império

Triste de quem vive em casa,
Contente com o seu lar,
Sem que um sonho, no erguer de asa,
Faça até mais rubra a brasa
Da lareira a abandonar!

Triste de quem é feliz!
Vive porque a vida dura.
Nada na alma lhe diz
Mais que a lição da raiz -
Ter por vida a sepultura.

Eras sobre eras se somem
No tempo que em eras vem.
Ser descontente é ser homem.
Que as forças cegas se domem
Pela visão que a alma tem!
(…)

Fernando Pessoa, Mensagem


D. Sebastião, Rei de Potugal
(…)
Minha loucura, outros que me a tomem
Com o que nela ia.
Sem a loucura que é o homem
Mais que a besta sadia,
Cadáver adiado que procria?



Fernando Pessoa, Mensagem

quarta-feira, 27 de janeiro de 2010

Agressividade e meios de comunicação

A observação de um modelo agressivo pode desencadear impulsos agressivos nas crianças e ensinar-lhes novas formas de agressão. Facto comprovado por Albert Bandura, psicólogo, nos começos da década de 1960. Bandura realizou uma experiência com crianças a qual demonstrou que as crianças aprendem condutas agressivas por observação (http://www.youtube.com/watch?v=uMwOexrV6fM).

Influenciará, do mesmo modo, ver na televisão modelos agressivos?
Em média, a televisão está acesa 7 horas por dia, em cada casa, com 4 horas em média para cada membro da família....
  • As mulheres vêem mais do que os homens;
  • Os não-brancos mais do que os brancos;
  • As crianças que não frequentam a escola e os reformados mais do que os que vão à escola;
  • Os que trabalham e os que têm menos instrução mais do que os muito instruídos.

Durante todas estas horas, que modelos de comportamento se vêem?
Durante 25 anos investigadores da Universidade da Pensilvânia recolheram dados sobre os programas nos tempos de maior audiência e aos sábados de manhã. Já com os olhos cansados, analisaram uns 10 mil programas das principais cadeias de televisão. O que encontraram? Seis em cada dez programas continham violência.
Nos programas destinados ás crianças, nos períodos de maior audiência, numa hora de televisão podem existir entre 20 a 25 actos violentos, mais do que nos programas generalistas. O estudo prova ainda que os jovens envolvidos num maior número de casos agressivos ou violentos são aqueles que vêem mais horas de televisão.

Aonde conduzem este factos?
Em média, ao terminar o segundo ciclo, uma criança viu 8 mil assassínios e 10 mil actos violentos na televisão.

Será que os espectadores imitam os modelos violentos?
Abundam os exemplos de pessoas que reproduziram os crimes mostrados na televisão.
Numa análise dos crimes de 208 reclusos...
  • Nove em casa dez admitiam que tinham aprendido novas formas de criminalidade vendo programas de televisão.
  • Quatro em cada dez afirmaram que tinham executado crimes específicos vistos na televisão.

As crianças reproduzem os comportamentos que observam. Sejam eles modelos televisivos ou familiares(http://www.youtube.com/watch?v=ipIQ23bcEdA).


terça-feira, 26 de janeiro de 2010

"ISTO É MEU"

"O verdadeiro fundador da sociedade civil foi o primeiro que, tendo cercado um terreno, lembrou-se de dizer 'isto é meu' e encontrou pessoas suficientemente simples para acreditá-lo. Quantos crimes, guerras, assassínios, misérias e horrores não pouparia ao género humano aquele que, arrancando as estacas ou enchendo o fosso, tivesse gritado a seus semelhantes: 'Defendei-vos de ouvir esse impostor; estareis perdidos se esquecerdes que os frutos são de todos e que a terra não pertence a ninguém'"

Rousseau

segunda-feira, 25 de janeiro de 2010

"Nascemos estúpidos"

"Nascemos fracos, precisamos de forças, nascemos desprovidos de tudo, temos necessidade de assistência; nascemos estúpidos, precisamos de juízo. Tudo o que não temos ao nascer, e de que precisamos em adultos, é-nos dado pela educação. Essa educação vem-nos da natureza ou dos homens ou das coisas."

Jean Jaques Rousseau

A NATURALIDADE das CRENÇAS RELIGIOSAS

Depois de 9 meses de gestação, lá nasceu o “Pedro”…
À nascença o “Pedro” é como todas as crianças do mundo, uma tábua rasa, ou melhor, uma página em branco que irá ser preenchida ao longo da sua vida através das interacções ocorridas no seu meio social.
Assim, o “Pedro” será educado para viver na sociedade… completamente moldado pelos valores, regras e princípios familiares…

Agora, vamos a probabilidades:
1º) Se o “Pedro” nasceu no Cairo, será Muçulmano;
2º) Se nasceu no Tibete, se calhar vai ser budista;
3º) Se nasceu em Espanha, deverá ser cristão;
4º) Se a sua família for comuna provavelmente será ateu.

Todos os crentes têm um ponto em comum: acreditam que a sua “versão” da criação do mundo e o deus a que rezam é o verdadeiro… é legítimo!

Porquê?

1º) Porque nada sabem ou pouco conhecem de outro deus que não o deles;
2º) Porque o deus em que crêem é o mesmo deus em que a sua família acredita;
3º) Porque todas as pessoas com quem se relacionam rezam ao mesmo deus.

Cada pessoa nasce numa realidade diferente e pouco sabe do que acontece, do que se pensa ou daquilo em que se acredita noutros lugares mais longínquos do seu…
O desconhecido assusta sempre e gera um grau de desconfiança que impede a sua aceitação e que cria barreiras que não têm de existir porque todo o Homem, antes de ser crente é Humano. E para se ser Humano não é necessário ler nenhum livro ou acreditar em algum deus…
A ajuda ao próximo é obrigação do Homem enquanto ser que é racional…
A prática do bem comum é dever de todo o ser Humano, porque todo o Homem tem um coração que se fere com a maldade, que tem medo da solidão e que desespera com o medo… e o coração não tem religião porque é Humanitário!

domingo, 24 de janeiro de 2010

IRONIA: uma via para o CONHECIMENTO

O Homem é um ser moldado pelo meio em que se desenvolve... Por ser eminentemente social as suas apetências cognitivas e sociais são determinadas pela estimulação ocorrida durante o seu desenvolvimento.
Assim, não há um Homem que seja completamente responsável pela sua personalidade.

Ninguém é totalmente culpado pelas suas ideias e pelos seus objectivos porque estes constituem aspirações que o meio social proporcionou ao Homem durante o seu crescimento.
Este simples princípio implica, inteiramente, uma sensata e inteligente TOLERÂNCIA. Tolerância pelo outro e com o outro que geram a COMPREENSÃO.

Ora, são precisamente estes 2 princípios, a TOLERÂNCIA e a COMPREENSÃO que geram o CONHECIMENTO.

Olhemos ao caso de SÓCRATES na antiga Grécia…

Sócrates dizia que a filosofia não era possível enquanto o indivíduo não se voltasse para si próprio e reconhecesse as suas limitações. "Conhece-te a ti mesmo" era a sua máxima.
Ora, o saber só poderia ser alcançado através de perguntas.
Mas as suas perguntas estavam envolvidas num duplo sentido:
1º) Ironia;
2º) Maiêutica.

1º) IRONIA...
Sócrates costumava iniciar uma conversação fazendo perguntas e obtendo dessa forma opiniões do interlocutor, opiniões que ele APARENTEMENTE aceitava. Depois, por meio de um interrogatório hábil, desenvolvia as opiniões originais do tal interlocutor, mostrando a tolice e os absurdos das suas opiniões superficiais, através das consequências contraditórias ou absurdas destas mesmas opiniões e a confessar o seu erro ou a sua incapacidade para alcançar uma conclusão satisfatória. Esta primeira parte do método de Sócrates, estava destinada a levar o indivíduo à convicção do ERRO.


2º) Maiêutica...
Na maiêutica, dá à luz um NOVO CONHECIMENTO, um aprofundamento que não chega ao conhecimento absoluto. Ele comparava frequentemente este método com a profissão da mãe que era parteira: era possível trazer a verdade à luz. Assim, ele voltava-se para os outros, e interrogava-os a respeito de assuntos que eles julgavam saber. O seu sentido de humor confundia os seus interlocutores, que acabavam por confessar a sua ignorância, da qual Sócrates extraía sabedoria.


Por exemplo, querendo apreender o conceito de coragem, dirigia-se ao um general, e perguntava-lhe:
- você que é general, poderia me dizer o que é a coragem?
O general respondia-lhe:
- coragem é atacar o inimigo, nunca recuar.
Mas Sócrates contradizia:
- às vezes temos que recuar para melhor contra atacar.

E a partir daí continuava o debate ampliando o conceito.

O exemplo clássico da aplicação da maiêutica é um diálogo platónico (Mênon), no qual Sócrates leva um escravo ignorante a descobrir e a formular vários teoremas de geometria.


O método de Sócrates parte do principio de que tudo o que o Homem precisa ele já possui... apenas é preciso alguem que o guie e que faça dar à luz novas ideias mais fundamentadas e concretas...

sexta-feira, 22 de janeiro de 2010

Verdade...

A porta da verdade estava aberta,
mas só deixava passar
meia pessoa de cada vez.

Assim não era possível atingir toda a verdade,
porque a meia pessoa que entrava
só trazia o perfil de meia verdade.
E sua segunda metade
voltava igualmente com meio perfil.
E os meios perfis não coincidiam.

Arrebentaram a porta. Derrubaram a porta.
Chegaram ao lugar luminoso
onde a verdade esplendia seus fogos.
Era dividida em metades
diferentes uma da outra.

Chegou-se a discutir qual a mais bela.
Nenhuma das duas era totalmente bela.
E carecia optar. Cada um optou conforme
seu capricho, sua ilusão, sua miopia.

Carlos Drummond de Andrade

quinta-feira, 21 de janeiro de 2010

Sofrimento...

Está disseminada uma forma de pensar os jovens como a geração perdida.

Falo nisto após ler um texto do meu amigo João, baseado num artigo de César das Neves no DN.

«“As novas gerações queixam-se do sistema sem futuro que os pais criaram na revolução e que os condena ao emprego precário. Multiplicam-se as queixas, escândalos, intrigas, fúrias, desconfianças. Apela-se a um Salazar que venha pôr isto na ordem. Portugal está desanimado.”

Sempre conheceram uma vida feita de facilidades, portanto, ao mínimo problema sentem grandes dificuldades!»

Guardo acima de tudo esta citação que esquece uma série de coisas e que tem ligadas uma série de outras coisas.

1º- pela primeira vez na história é consensual que uma geração viverá pior que a precedente.

2º- a geração que nos precede vivia melhor que a anterior e também se queixava, isto é válido para o João como para o Dr César das Neves.

3º- o facto de algo ter sido sempre difícil não significa em lado nenhum que tenha de continuar díficil.

4º- esta opinião veiculada por César das Neves e pelo João Simões é apenas reflexo de uma atitude adaptativa do género: está mal?já esteve pior...

5º- mas a atitude não fica por aí. Ambos propõem saídas. Quais? Que cada um seja forte e capaz de ultrapassar as dificuldades. Mentira?Não...

6º- mas esconde a maior realidade de todas. As pessoas não estão mal, a pobreza, a violência, o que quer que seja, não é por culpa individual de cada um, tudo isto é antes causado por um contexto social desequilibrado, pela falta de laços sociais, pela emergência do individualismo e consequente egoísmo.

7º- É uma solução centrada no individuo que ambos advogam. Toda a atitude é assim criadora de mais dificuldades...

8º- o individualismo é fácil de entender nesta frase: «É através da acção diária de 10 milhões de pessoas, cada uma a tentar melhorar a vida, que o País avança.”»

9º- não amigos, o país avança quando forem criadas condições para a existência de uma verdadeira sociedade civil participativa, que pela sua acção tenha o Estado como real representante e que crie verdadeiros sistemas públicos igualitários e equitativos de justiça social.

10º- Só a seguir estarão conseguidas condições para o ânimo, a segurança de cada um, só aí a sociedade poderá crescer como um todo e não deixando a grande massa da população para trás.

É isto que está em questão.

Amigos da minha geração, não deixem que vos calem porque supostamente já houve alguém que sofreu mais. A nossa resposta é - nem um bocadinho mais de sofrimento. A era do sofrimento chegou ao fim e nós havemos de mostrá-lo a esta geração anterior que tem medo que o bolo do sofrimento não chegue para nós...


terça-feira, 19 de janeiro de 2010

insónia...

"É o medo que nos tolhe e, directa e indirectamente, nos inibe de expandirmos a nossa potência de vida, e mesmo a nossa vontade de viver."

[JOSÉ GIL; PORTUGAL, HOJE - O MEDO DE EXISTIR]



não deixemos que o medo também nos iniba e impeça de sonhar...

Lágrima de preta

Encontrei uma preta

que estava a chorar,

pedi-lhe uma lágrima

para a analisar.


Recolhi a lágrima

com todo o cuidado

num tubo de ensaio

bem esterilizado.


Olhei-a de um lado,

do outro e de frente:

tinha um ar de gota

muito transparente.


Mandei vir os ácidos,

as bases e os sais,

as drogas usadas

em casos que tais.


Ensaiei a frio,

experimentei ao lume,

de todas as vezes

deu-me o que é costume:


Nem sinais de negro,

nem vestígios de ódio.

Água (quase tudo)

e cloreto de sódio

António Gedeão

quinta-feira, 14 de janeiro de 2010

SEM TÍTULO QUANDO NÃO HÁ PALAVRAS


É verdade que o Homem é um ser é muito cruel e tantas vezes desumano. Mas este vídeo ultrapassa TUDO.
É maldade e crueldade pura. É ÓDIO e rancor. É vingança e uma total brutalidade… é TUDO.


Como?


Estas imagens, são de uma câmara de instalada no exterior de um Bar-Discoteca no centro comercial Stop na rua de Heroísmo no Porto.

Mas se já é tão difícil admitir que isto possa acontecer… Torna-se impossível acreditar como é que os seguranças daquela discoteca reagem…

terça-feira, 12 de janeiro de 2010

A cultura do medo e da violência

Os Estados Unidos têm a mais alta taxa de crimes violentos. Bem mais alta que outros países democráticos como a Alemanha, França, Japão, Reino Unido e outros.

No dia 20 de Abril de 1999, dois jovens estudantes entraram armados na biblioteca de uma escola pública em Columbine – Colarado e mataram 12 colegas e 1 professor seguindo-se depois o suicídio dos dois.

A história dos Estados Unidos é apresentada no filme Bowling for Columbine no qual é explicada de uma forma sarcástica a causa do terror e do medo dos amaricanos.
Senão vejamos….
E aqui está o resultado...

Serviço gratuito de avaliações com açúcar e férias com morangos *


As férias da criançada este natal foram uma alegria… e as notas do 1º período uma verdadeira palhaçada!
Ao que parece, existe um novo pai natal… este dá aulas e BOAS NOTAS… também é bom…
Segundo consta, os alunos portugueses têm-se esforçado para tirar maus resultados escolares… não estudam, não são empenhados e não desejam o CONHECIMENTO. Contudo, esta preguiçosa tarefa dos estudantes tem-se revelado muito difícil de atingir… é verdade! Os alunos portugueses têm cada vez mais dificuldades em chumbar o ano. Os alunos tiram um “Não Satisfaz”, mas os professores, porque é Natal, lá dão o três. Melhor para os alunos, muito pior para Portugal.
Sócrates diria “Porreiro pá!”, mas eu digo muito baixinho “Porra pá!”. Temos alunos cada vez mais medíocres, mal formados, sem valores, sem regras e sem ambições. Não conhecem, nem querem conhecer porque não gostam de nada e nem sequer sabem de que é que gostam. De matemática não gostam, de inglês não percebem nada, história é uma seca e Camões e Eça de Queiroz nunca deviam ter nascido…
Cavaco Silva diz que um país sem crianças é um país sem futuro, mas se as poucas crianças e adolescentes que temos têm a cabeça tão cheia de nada que futuro é que podemos esperar?

* qualquer semelhança com a ficção não é pura coincidência

segunda-feira, 11 de janeiro de 2010

O Belo do Rissol...

A propósito do meu trabalho sobre estilos de vida para sociologia, lembrei-me dos belos dos rissóis que servem na cantina junto à minha faculdade...

Numa altura em que muitos sobrevalorizam a saúde e o estilo de vida que adoptam, esta "gente das cantinas" servem rissóis... pois é... todos os dias é o mesmo problema: demasiados alunos, pouca comida, e a partir das 13:30 só se come o belo do rissol com o belo do arrozinho branco...

não tenho absolutamente nada contra os ditos "salgadinhos", até porque sou grande apreciadora; mas numa altura em que se ouve falar cada vez mais em doenças, como o colesterol e dos efeitos que daí advêm, era de esperar que "alguém" controlasse melhor estas situações... digo eu...!!!

domingo, 10 de janeiro de 2010

Geração Perdida...

Mais um artigo que mostra uma dura realidade. Mas atenção, o título é enganador. Não foi a geração que se perdeu, perderam-na...

Ela é que a pouco e pouco se vai tentar recompôr, assim espero eu...

triste de quem vive por viver...

"Triste de quem vive em casa,
Contente com o seu lar,
Sem que um sonho, no erguer de asa,
Faça até mais rubra a brasa
Da lareira a abandonar!

Triste de quem é feliz!
Vive porque a vida dura.
Nada na alma lhe diz
Mais que a lição da raiz-
Ter por vida a sepultura."

Fernando Pessoa

sábado, 9 de janeiro de 2010

Notícias de Coimbra...

Um dia inteiro a estudar Economia Regional e a fazer o trabalho de Aplicações de Econometria...

Quem quer trocar comigo?

Aceito tudo o que tenha a ver com agricultura, desporto, música...

sexta-feira, 8 de janeiro de 2010

Da adopção...

Não percebo que argumentos há que proíbam a adopção por parte de casais homossexuais. Não percebo porque é que uma pessoa sozinha pode adoptar mas uma pessoa que vive com outra do mesmo sexo não pode...

Ah a criança depois vai dizer que tem dois pais? Então e se só tiver 1 e não tiver mãe ou viver numa instituição e não tiver nenhum dos dois?

É apenas mais uma descriminação sem sentido...

quinta-feira, 7 de janeiro de 2010

Mais uma vez...

...o casamento homossexual...

O debate continua, e depois de já ter falado sobre isso neste blogue, de ter debatido sobre isto aqui e ver mais uma resposta aqui, sinto-me ainda na obrigação de voltar a explicar o mesmo de sempre.

O meu amigo João Simões acusa-me de ver apenas o que quero ver, mas vamos lá analisar mais uma vez a sua contradição.

Diz-me primeiro que a homossexualidade é anti-natura. Eu, não conhecendo em que teoria da biologia ele se baseou para dizer uma coisa dessas, duvidei. Não fui eu que lhe disse que era natural porque os animais também praticam por vezes a homossexulidade mas podia muito bem ter sido.

A isto o João responde: "esse argumento é dos argumentos mais desumanos e rebaixastes que conheço!
Se assim fosse a mãe Natureza ternos ia criado hermafroditas e nunca homem e mulher!
Comparar o ser humano que tem consciência da sua existência, que tem a noção do bem e do mal, que tem valores morais, é inteligente e racional; com seres que agem por instinto, por necessidades naturais, tais como comer, dormir, defender-se, etc, é rebaixar o ser humano ao nível dos animais irracionais!
Não acho correcto equiparar o ser humano a um cão ou a qualquer outro animal, que por muito esperto que seja não passa de um animal irracional!"

Eu não fiquei convencido com este argumento, e porquê? A única forma, para mim, de definir um comportamento como natural ou não natural, é observá-lo ou não na natureza. Vejamos, a homossexualidade é um comportamento não natural e isto, mesmo sem qualquer base científica credível, é pelo menos, aceitável como argumento. Mas eis que de repente ele me mostra que todo o ser humano é não natural. Ora, se o ser humano é um ser singular no reino animal, "que tem valores morais, é inteligente e racional" e se é diferente de todos os outros animais (o que mais uma vez está cientificamente errado), quer dizer que o João acha o casamento homossexual anti-natura, quando todo o ser humano é também ele, anti-natura, ou, diria eu, supra-natura.

Se isto não dá para perceber, não sei o que dá...

A questão da definição de casamento é das mais engraçadas. Reparem que quando se começou a falar do assunto, se falou em casamento homossexual imediatamente e, não foi por acaso. Chamou-se imediatamente casamento porque para as pessoas, para o senso comum, para toda a gente, era um casamento. Porque um casamento é para as pessoas, mais do que uma união entre homem e mulher com o objectivo de procriar, é uma união entre pessoas que se amam e que querem partilhar a sua vida uma com a outra. Ponto 1: os homossexuais também se amam. Ponto 2: os homossexuais não pensam só em sexo.

Por agora vou deixar só mais um exemplo: imaginem que se lhe chamava união registada civil ao acto, o que é que acham que as pessoas iam dizer? 1- Amanhã vou a uma união registada civil do Pedro e do Afonso. Ou 2- Amanhã vou ao casamento do Pedro e do Afonso? Ou melhor, um dia terão de explicar a alguém o que é uma união registada civil, sabem como vão explicar? É o casamento, mas de homossexuais...

A grande aventura da universidade… e a desilusão ainda maior das praxes…

Finais de Setembro… depois de um verão cheio de memórias, voltamos aos estudos… este ano, em particular, tem algo de especial: a entrada na universidade: um grande passo na construção do futuro. Não encaro a universidade de ânimo leve; afinal de contas, é agora que vão começar as “chatices”, os trabalhos a sério… mas não posso deixar de me sentir feliz por”subir” mais um nível na minha formação…

Muitas coisas novas esperam os caloiros de norte a sul do país; uma delas é um fenómeno, que pessoalmente acho desadequado, a que chamam de praxe.
A definição geral de praxe é integração: “é um meio de vocês se integrarem na escola e no curso, de conhecerem pessoas, de começarem a perceber o vosso “lugar” na sociedade” – isto é o que nos dizem – na prática, vê-se um “bando de abutres” esfomeados por caloiros e prontos a atacar assim que o 1º aparecer com insultos e “rituais” estúpidos que desculpam como sendo a “tradição”.

Não nego que a integração seja importante; é realmente muito importante que haja “alguma coisa” que insira os novos alunos no completamente novo meio, que lhes dê a conhecer onde e como vão passar os próximos anos que ali vão estar… existem é outras maneiras, a meu ver, mais apropriadas para fazer essa integração… porque é que ainda ninguém se lembrou de fazer um fórum? Ou uma “feira da escola”?

2º aspecto: “perceberem o vosso lugar na sociedade”??? Andamos todos a defender que “nascemos livres e iguais em direitos” e chegamos à universidade e dizem-nos que somo o fim da “cadeia alimentar”, que somos os mais novos “ali do sitio” e que temos de os “respeitar” como a divindades e fazer tudo o que querem… não posso pactuar com isto: não acho que estes “senhores” tenham alguma coisa a mais do que eu, e até porque “estamos todos no mesmo barco”…

3º aspecto: ninguém faz nada! Verdade que muitos caloiros não aprovam a praxe, mas também não fazem nada para mudar isto; se for preciso até participam nesta “tradição” só para não serem “desprezados” – conformam-se com “o que lhes dão a comer” e não se mostram dispostos a mudar coisa alguma…

Sou anti-praxe e talvez isso contribua (e muito) para que a minha opinião seja tão negativa, mas não consigo deixar de ver a praxe como um espectáculo decadente, fruto da mediocridade crescente que encontramos na sociedade actual, do conformismo a que estamos tão bem habituados…

quarta-feira, 6 de janeiro de 2010

Casamento homossexual...

Atletismo...

Se o mundo esperasse,
Também eu não me apressaria...
Mas o mundo não espera,
Corre, passando as barreiras do tempo,
Em ritmo sempre certo...

Nós é que paramos por vezes,
A nossa vida é que é desperdício tantas vezes,
Nós é que somos apenas vidas a meia intensidade,
Nós é que vamos ficando para trás...

E quando nos damos conta da distância,
Já a prova está perdida,
Temos então uma recta da meta onde esgotamos ainda as nossas forças,
Para podermos chegar ao fim e sentir que fizemos o nosso melhor,
Não apanhamos o mundo porque o mundo não serve para ser apanhado,
É como o horizonte, como a utopia,
Serve para nos incitar a correr sempre mais...

segunda-feira, 4 de janeiro de 2010

O casamento homossexual

Espanta-me a quantidade de espíritos iluminados que pairam por aí e que parecem saber tudo acerca da natureza humana.

Obviamente, num tema destes, mostra-se mais uma vez a diferença entre o pensamento político de esquerda e o de direita. Para uns, trata-se de entender os homossexuais como "não-naturais", ou seja, indesejáveis em relação à ordem das coisas. Um exemplo claro da hipótese tida por alguns de que é possível definir as pessoas como melhores umas que outras, pela sua própria natureza.

Mas como alguns pensadores de direita bem lembraram (por exemplo, Hayek), é impossível fazer estas comparações. Não existe, por parte do ser humano, capacidade para definir quem é melhor ou pior. Daí que entrem outras entidades sobre-humanas ao barulho. Daí que a direita continue a chamar Deus ao seu discurso, para suprimir a sua incapacidade de diferenciar os seres humanos como piores e melhores, entra um Deus, única entidade omnisciente por definição, capaz de fazer essas distinções. Por outro lado, existem outras duas entidades capazes de fazer essa distinção: o mercado e a tradição. O mercado que pelos simples jogos de oferta e procura trata de "punir" os ineficientes e "compensar" os melhores. Daí também a ligação fácil entre o mercado e as leis de Deus, "o grande relojoeiro".

O problema do casamento homossexual, para quem o contesta, não é a perversão da sociedade ou a sua consequente destruição pela crise de valores e essa conversa toda com que nos vão enchendo a cabeça. O problema é ir contra uma ordenação de "melhores" para "piores" contrária àquela que concebem com base na tradição, considerada por estes como devendo ser a base de qualquer lei.

Assim, a homofobia é da mesma natureza da islamofobia ou qualquer outra fobia por pessoas que fazem parte de um outro "grupo", social ou não. No caso dos Minaretes da Suiça, por exemplo, considerou-se, com base na tradição, que uma religião era superior à outra. Em tempos cada batalha ganha nas cruzadas era também o mercado a funcionar e a premiar os mais fortes.

Por último, e como sei que a minha análise é bastante simplista, digo que esta concepção de distinção dos seres humanos entre melhores e piores não existe por uma mania das pessoas de direita de se acharem melhores. A questão não está aí. É apenas um resultado lógico de outras premissas que a direita adopta. Crer no livre arbitrio e na independência do indivíduo em relação às condições sociais tem como única conclusão que uma pior situação do indivíduo acontece por culpa própria, tornando-o também pior por natureza.