sexta-feira, 30 de setembro de 2011

E outras coisas sobre a "geração à rasca"...

E agora, um comentário ao post anterior.

Há quem não perceba e há quem se espume todo a criticar a actual geração, dita "à rasca". Não entendem, talvez por não terem estudado suficientemente para isso (algo que até se parecem orgulhar) e então gostam de mandar bitaites para o ar.

O texto que transcrevi é apenas mais um de muitos que seguem a mesma linha: "Geração à rasca? Deviam ver a minha e aquilo que eu sofri...". É uma argumentação que não só é errada e absurda como demonstra que não entendem simplesmente as queixas desta geração, como não entendem mais uma série de coisas.

Começa por falar da sua infância ao som dos bombardeamentos da II GM. Ora, a não ser que tenha nascido para lá dos Pirinéus, o que parece não ser o caso, duvido que tenha ouvido algum mísero bombardeamento da IIGM. Mas nós percebemos. O que ele quererá dizer é que na geração dele, houve muita gente que sofreu com a IIGM. Só que não foi cá. Porque senão, a nossa geração também se pode começar a queixar com a guerra do Iraque e do Afeganistão. É absurdo não é?

Bem, como referia o mail que me mandaram, o texto foi escrito por alguém com 70 anos e como vemos, o texto refere inúmeras dificuldades vividas pelo sujeito em causa. Ninguém quer menosprezar aquilo que foi a sua vida e os esforços a que foi submetido. Mas se tem 70 anos, imagino que o seu pai, ou pelo menos algum vizinho possa ter sido enviado para a I GM. Talvez tenha apanhado gangrena enquanto passava dias inteiros nas trincheiras sem qualquer cuidado de higiene. Talvez algum dos seus tios tenha morrido com a Pneumónica em 1918. E podia continuar a comparar gerações. Reparem: Diz que depois veio a geração rasca com "Drogas, rendimentos mínimos e vergonha de trabalhar". Claro, bêbedos nas gerações anteriores era uma coisa que não existia e, muito menos, bêbados que ao chegarem a casa batiam nas mulheres e nos filhos. E muito menos elites que mandavam nas terras e que exploravam as pessoas. Nunca ouvi falar disso. Na minha aldeia existia um senhor que tinha problemas de locomoção mas que para ganhar dinheiro para a família tinha de ir cortar mato de joelhos. Desenrascou-se não é? Pelos vistos há quem deseje que tudo tivesse continuado assim.

Este comentário todo para quê? Em primeiro lugar, existe uma coisa que se chama evolução. O mundo tem evoluído desde sempre e a uma velocidade vertiginosa nos últimos 2 séculos. Evoluímos e é por isso que a minha geração tem melhores condições de vida do que a anterior. A anterior tem melhores que a anterior a si e assim sucessivamente. Acontece que, todas as gerações tem deixado uma herança de oportunidades aos seus descendentes algo que desta vez não está a acontecer. Reparem, o autor do texto até elogia o 25 de Abril. Mas Marcello Caetano podia muito facilmente ter argumentado que o povo não tinha razão para se queixar porque há 100 anos se vivia muito pior. Qual era a lógica do argumento?

É na palavra oportunidades que está a questão. Quem agora está a estudar sabe perfeitamente que existem mais carros do que antigamente à porta das Faculdades. Quem tem melhores condições, que muitos têm telemóveis topo de gama, etc... E sabem que são os pais que financiam. E ninguém das gerações anteriores parece conseguir perceber qual é o problema. Pois bem, eu explico. O problema é que quase nenhum destes jovens tem perspectiva de vir a conseguir dar um carro e um telemóvel topo de gama aos seus filhos no futuro. A perspectiva e as oportunidades que vêem à saída da faculdade é a de um sem número de estágios não remunerados, de um desemprego galopante que afecta sempre mais quem quer entrar para o "mercado". A perspectiva de nunca conseguir encontrar um emprego na área para a qual estudaram e se esforçaram e perderam 3 ou mais anos da sua vida. A perspectiva de, a trabalhar a recibos verdes nunca se conseguir um empréstimo para comprar uma casa nem uma poupança suficiente para por de parte o empréstimo.

É uma questão de perspectivas de futuro. No pós IIGM assistiu-se na Europa a um tempo de prosperidade que até culminou naquilo a que se chama o baby boom. Desta vez não há perspectivas... E por isso dispensamos esse tipo de discurso moralista. E com todo o respeito, dispensamos esse discurso, também para que o autor, que oxalá chegue a uma muito maior idade, não seja obrigado a ouvir mais um "desenrasque-se" quando precisar que voltem a tomar conta de si.


Coisas...

Transcrevo um e-mail que recebi hoje.

A GERAÇÃO ENRASCADA

O grande homem é aquele que não perdeu acandura da sua infância… Pertenço a uma geração que teve de se desenrascar. Nasci ao som do rufar dos tambores da 2ª Guerra Mundial. Os clarins e as sirenes faziam o toque de à rasca, anunciando mais um bombardeamento.

A Santa da minha Mãe, pariu-me de cócoras. Quando se sentiu à rasca, muniu-se da tesoura e do baraço e fez tudo sozinha. Chegou por casualidade uma vizinha e ajudou aos últimos preparativos, talvez um caldo de galinha velha, que era o prémio de qualquer parturiente. Hoje, as que se rotulam de à rasca têm seis meses de licença de parto. Essa vizinha, que durou cento e tal anos, passou a vida a contar-me isto, vezes sem conta.

Aos miúdos, faziam uns calções com uma abertura na retaguarda, e, quando estivessem à rasca, baixavam-se, o calção abria e fazia-se em escape livre e, andava sempre arejado.
Aos dezoito anos, ainda o comboio passava em Mirandela e tive o azar de fazer cargas e descargas dos vagões para os camiões. Os adubos vinham em sacos de 100 kg, as pernas tremiam mas tinha que me desenrascar. Os mais velhos sabem do que falo, o trabalho era duro incluindo as cegadas, mas…. fazia-se tudo a cantar.

A mesma geração, fez as três frentes da guerra colonial, morreram nove mil e quinze mil ficaram mutilados e a cair aos bocados, chamam-lhes Heróis, mas dizem desenrasquem-se. O 25 de Abril foi feito por essa mesma geração, bons líderes, povo unido e desenrascaram-se muito bem.

Por fim, a debandada da emigração para toda a Europa, atravessando montes e vales íamos chegando a todo o lado. Vivíamos em contentores e barracas, o tacho onde se lavavam as batatas era o mesmo para se lavar o nariz, mas não nos desenrascamos nada mal.

Depois veio a geração rasca. Drogas, rendimentos mínimos e vergonha de trabalhar.

Agora, dizem ser a geração à rasca, querem ser todos Doutores, arrastam-se anos à volta dos cursos, os parques universitários estão cheios de carros de luxo, ficam por casa dos Pais até aos trintas e “quem aos vinte não é, aos trinta não tem, aos quarenta já não é ninguém”.

São uns enrascadinhos, não querem assumir a responsabilidade de uma família, vagueiam de noite, dormem de manhã e a Mãe chama-os para almoçar. O Pai vai recheando a conta, porque um Pai é um banco proporcionado pela natureza.

Eu não quero medir tudo pela mesma rasa e acredito muito na juventude, aconselho-os a que se caírem sete vezes se levantem oito, porque o Governo está à rasca, a oposição está enrascada e a juventude não se desenrasca.

Os que cantam, Homens da Luta, é uma luta sem comandantes e o povo vencido jamais será unido.

Façam pela vida… E, não estejam à espera que o mar arda, para comer peixe grelhado!...

IgNobel 2011




"Nunca lhe aconteceu ver um carro milionário estacionado em cima do passeio e, à sua volta, lugares com parquímetros livres ou um parque de estacionamento a escassos metros? Confesse que já teve vontade de deixar uma marca visível no veículo para punir o prevaricador... Arturas Zuokas, presidente da Câmara de Vilnius, capital da Lituânia, não conseguiu resistir: inventou um método radical e literalmente arrasador para lidar com o problema. O seu trabalho valeu-lhe esta noite, na Universidade de Harvard, nos EUA, o Prémio IgNobel da Paz 2011"

Ver restante notícia AQUI

quarta-feira, 28 de setembro de 2011

Entrevista com Leonardo Boff...



"E aí pergunto, está Cristo? Se ele está na palavra, está no grupo? Deve estar nesse pão também e nesse vinho. E o povo se sente acompanhado..."

Visto aqui.

sexta-feira, 23 de setembro de 2011

Só mais um bocadinho de Tokio Hotel...


Brutal é a miúda com ar de incrédula: "Nunca mais?"...Ahahah

Segunda Carta às Esquerdas...


A democracia política pressupõe a existência do Estado. Os problemas que vivemos hoje na Europa mostram que não há democracia europeia porque não há Estado europeu. E porque muitas prerrogativas soberanas foram transferidas para instituições europeias, as democracias nacionais são hoje menos robustas porque os Estados nacionais são pós-soberanos. Os défices democráticos nacionais e o défice democrático europeu alimentam-se uns aos outros e todos se agravam por, entretanto, as instituições europeias terem decidido transferir para os mercados financeiros parte das prerrogativas transferidas para elas pelos Estados nacionais. Ao cidadão comum será hoje fácil concluir (lamentavelmente só hoje) que foi uma trama bem urdida para incapacitar os Estados europeus no desempenho das suas funções de protecção dos cidadãos contra riscos colectivos e de promoção do bem-estar social. Esta trama neoliberal tem vindo a ser urdida em todo o mundo, e a Europa só teve o privilégio de ser “tramada” à europeia. Vejamos como aconteceu.

Está em curso um processo global de desorganização do Estado democrático. A organização deste tipo de Estado baseia-se em três funções: a função de confiança, por via da qual o Estado protege os cidadãos contra forças estrangeiras, crimes e riscos colectivos; a função de legitimidade, através da qual o Estado garante a promoção do bem-estar; e a função de acumulação, com a qual o Estado garante a reprodução do capital a troco de recursos (tributação, controle de sectores estratégicos) que lhe permitam desempenhar as duas outras funções.

Os neoliberais pretendem desorganizar o Estado democrático através da inculcação na opinião pública da suposta necessidade de várias transições. Primeira: da responsabilidade colectiva para a responsabilidade individual. Segundo os neoliberais, as expectativas da vida dos cidadãos derivam do que eles fazem por si e não do que a sociedade pode fazer por eles. Tem êxito na vida quem toma boas decisões ou tem sorte e fracassa quem toma más decisões ou tem pouca sorte. As condições diferenciadas do nascimento ou do país não devem ser significativamente alteradas pelo Estado. Segunda: da acção do Estado baseada na tributação para a acção do Estado baseada no crédito. A lógica distributiva da tributação permite ao Estado expandir-se à custa dos rendimentos mais altos, o que, segundo os neoliberais, é injusto, enquanto a lógica distributiva do crédito obriga o Estado a conter-se e a pagar o devido a quem lhe empresta. Esta transição garante a asfixia financeira do Estado, a única medida eficaz contra as políticas sociais. Terceira: do reconhecimento da existência de bens públicos (educação, saúde) e interesses estratégicos (água, telecomunicações, correios) a serem zelados pelo Estado no interesse de todos para a ideia de que cada intervenção do Estado em área potencialmente rentável é uma limitação ilegítima das oportunidades de lucro privado. Quarta: do princípio da primazia do Estado para o princípio da primazia da sociedade civil e do mercado. O Estado é sempre ineficiente e autoritário. A força coercitiva do Estado é hostil ao consenso e à coordenação dos interesses e limita a liberdade dos empresários que são quem cria riqueza (dos trabalhadores não há menção). A lógica imperativa do governo deve ser substituída na medida do possível pela lógica cooperativa de governança entre interesses sectoriais, entre os quais o do Estado. Quinta, dos direitos sociais para os apoios em situações extremas de pobreza ou incapacidade e para a filantropia. O Estado social exagerou na solidariedade entre cidadãos e transformou a desigualdade social num mal quando, de facto, é um bem. Entre quem dá esmola e quem a recebe não há igualdade possível, um é sujeito da caridade e o outro é objecto dela.

Perante este perturbador receituário neoliberal, é difícil imaginar que as esquerdas não estejam de acordo sobre o princípio “melhor Estado, sempre; menos Estado, nunca” e que disso não tirem consequências.

Guerra das estrelas (4)

Foi-me difícil encontrar um par decente para a quarta ronda. Escolhi em primeiro os Tokio Hotel, com Monsoon. Pela indumentária, escolhi os Kiss para o confronto, fica então, Love Gun, ao vivo com a Orquestra Sinfónica de Melbourne.



quinta-feira, 22 de setembro de 2011

Musical fight...(3)

Para o Round 3 tenho algo de diferente. Um êxito do momento como é costume trazido pela mão da Lady Gaga, com Bad Romance:



Isto contra aquilo que eu chamaria, um good romance: Mozart, concerto 20 em ré, K466, segundo movimento, o romance. Interpretado por Friedrich Gulda com a Munich Philharmonic Orchestra.

terça-feira, 20 de setembro de 2011

Musical fight...(2)

Para continuar já de repente com a Batalha musical que hoje iniciei neste blogue. Mais duas escolhas. Mais uma vez, uma que está na moda, Adele, com o seu Rolling in the Deep. Para confrontar com Aces High da banda Metal Iron Maiden.



Musical fight...

Tenho defendido que a nossa posição política tem que ver com muitos outros âmbitos da nossa vida, por exemplo, gostos em relação a filmes, literatura, etc... Mas normalmente tenho dificuldades em estabelecer uma ligação entre os gostos musicais e tendências políticas. Pelas práticas sociais tenho a impressão fortíssima de que esta ligação existe mas parece-me difícil estabelecê-la num quadro teórico.

Para me poderem ajudar nesta tarefa vou por nos próximos dias um conjunto de posts com músicas retiradas do youtube que expressam possíveis dicotomias musicais. Comentem o que acham diferente em cada par de músicas para podermos estabelecer uma ligação com a política em cada uma delas.

Para começar, o êxito Baby do artista do momento, Justin Bieber, com 625078063 visualizações no youtube, contra uma música metal chamada Another Day da principal banda de Metal Progressivo mundial, os Dream Theater, com um total de 847124 visualizações.






sexta-feira, 16 de setembro de 2011

Caridade ou igualdade

Por João Cardoso Rosas in Diário Económico

As duas palavras principais do título indicam duas formas radicalmente diferentes de encarar as funções sociais do Estado.

Pela primeira vez na democracia portuguesa, essas duas visões opostas estão plasmadas na teoria e nas propostas concretas das duas grandes facções políticas: o Governo do PSD/CDS e a oposição do PS.

O novo PSD, anti-social-democrata e próximo do CDS, vê o Estado como supletivo em relação às organizações caritativas da sociedade civil - que, em Portugal, dependem em grande parte do dinheiro dos contribuintes... - e concebe a actuação do Estado à imagem de uma organização de beneficência. Isso é notório no Programa de Emergência Social (PES), mas também no "passe social +", nas tarifas sociais de electricidade e gás, etc. Há características comuns a todos estes programas e medidas: só abrangem os muito pobres, obrigam-nos a fazer prova da sua pobreza e criam, sobretudo no caso do PES, dependências pessoais e não institucionais (os pobres terão de agradecer pessoalmente, como dantes faziam, ao sr. Dr., ao sr. Provedor, ao sr. Padre).

Curiosamente, o ministro dos assuntos sociais não só não usa a palavra "igualdade", como deixou também de usar o termo "justiça". Agora fala apenas de "ética social" o que, no significado usualmente dado à expressão, não é mais do que uma versão laicizada da caridade.

O novo PS, o partido social-democrata de A. J. Seguro, tem-se demarcado com clareza da visão do Governo. Em termos conceptuais, tem criticado o assistencialismo das políticas sociais do Governo, considerando-as, como disse o próprio secretário-geral em Braga, um "retrocesso civilizacional". A linguagem do PS é a dos direitos sociais, não a da assistência aos mais pobres, ou da "ética social".

Mas aquilo que mais distingue o novo discurso do PS é o acento tónico nas ideias de justiça e igualdade. A referência à igualdade é, segundo me parece, o ponto decisivo. Num contexto em que o Estado não tem capacidade para desenvolver, ou sequer manter, alguns dos seus mecanismos redistributivos, as políticas sociais têm de ter maior incidência na fiscalidade do que na segurança social. Ou seja, é pela via da fiscalidade que o Estado pode ser mais igualitário e não meramente caritativo.

Em coerência, o PS insurge-se agora contra a punição fiscal das classes médias, sobretudo da classe média-baixa, e propõe alternativas: impostos sobre o capital, sobre empresas com lucros elevados (como na área das utilidades), etc. No entanto, para que o PS seja coerente com a sua visão social-democrata, falta-lhe ainda propor o mais justo e justificado dos impostos: o imposto sobre heranças e doações de que falou o Presidente da República.

A habituação e a qualidade da mensagem publicitária

Por Eduardo Cintra Torres in Jornal de Negócios

Desconheço se o conceito de compra da nossa habituação às marcas e produtos faz parte das estratégias conscientes dos publicitários, mas considero-a uma das formas mais eficazes de eles alcançarem os seus objectivos: através da inculcação das imagens dos seus clientes no nosso cérebro e no nosso sistema emocional.

Lembrei-me do tema porque um leitor, a respeito do artigo da semana passada sobre o "Livro da Marca" e a campanha da EDP, escreveu que, embora não apreciando a nova imagem da empresa, já se ia habituando; por isso, já a achava menos mal.

É esse o processo da habituação. Julgo poder transpor para a publicidade, numa aplicação minimalista, um conceito muito importante da sociologia a propósito das nossas práticas sociais. Émile Durkheim, na mudança para o século XX, foi buscar ao vocabulário escolástico o termo latino "habitus" para designar o conjunto das aprendizagens adquirida pela criança no decurso da sua educação. Outro sociólogo, Norbert Elias, usou o mesmo termo para evocar o tipo de personalidade originado no processo civilizacional do Ocidente. Mas foi um terceiro sociólogo, Pierre Bourdieu, quem refez o conceito para lhe atribuir um papel central na formação e consolidação das práticas sociais.

Para Bourdieu, o "habitus" é o conjunto de disposições que inculcamos e interiorizamos a ponto de tendermos a reproduzi-las, adaptando-as às condições em que agimos no quotidiano. A inculcação - o modo como se faz com que qualquer coisa entre no espírito de alguém de forma duradoura - é também vista em sociologia como o próprio processo de constituição desses "habitus" ou atitudes sociais adquiridas. Já encontramos aqui uma pista para entender a publicidade na sua faceta social. Através dos "habitus", interiorizamos ao longo da vida ideias e práticas que nos são exteriores: interiorizamos a exterioridade. É também o que nos sucede com a publicidade.

Falta referir uma terceira dimensão do "habitus": aquilo que é inculcado e passa a ser parte do espírito transforma-se depois em percepções, pensamentos e acções próprias de uma determinada cultura. Pomos em prática o que não era nosso, mas que fomos absorvendo do exterior. Ora, isso também é uma intenção primordial da publicidade: depois de inculcada a imagem ou a mensagem, convém que a transformemos em impulso de compra.

Na publicidade, o processo de habituação obtém-se pela repetição da mensagem. Só vendo, ouvindo e lendo muitas vezes os anúncios ficamos predispostos a aceitar slogans, logótipos, narrativas, produtos, serviços e marcas que antes desconhecíamos ou de que não gostávamos, como sucedeu ao leitor cuja mensagem suscitou este artigo.

A repetição inculca. Todos sabemos isso há muito, mas convém lembrar o "óbvio" de vez em quanto, porque as verdades mais importantes escondem-se muitas vezes por trás das coisas "óbvias" a que não ligamos nenhuma - por serem óbvias!

No caso dos "habitus" inculcados nas pessoas por meio de uma actividade comercial sistemática, persistente e concebida profissionalmente - a publicidade - convém recordar aqui outra verdade "óbvia": como a repetição é essencial para alcançar o objectivo, as campanhas devem ser, se possível (isto é, se houver orçamento), absolutamente esmagadoras, presentes diversas vezes ao dia em todos os media de comunicação social e nas ruas. Isso significa que só as grandes empresas, como a EDP, conseguem inculcar as suas mensagens e imagens com razoável eficácia, através de grandes campanhas.

E desta reflexão resulta uma terceira realidade "óbvia": é que a repetição esmagadora consegue a inculcação em muita gente, quer a campanha seja boa, quer seja má. O que também significa que publicitários com grandes orçamentos têm sucesso com muito mais facilidade do que publicitários trabalhando com pequenos orçamentos, mesmo que as campanhas destes sejam de melhor qualidade.