sábado, 21 de agosto de 2010

"No entanto, era precisamente assim que tinha de ser. Qualquer pessoa, para desenvolver uma actividade, seja de que género for, precisa de considerar a sua actividade como importante e boa. Por isso, qualquer que seja a situação de uma pessoa, ela formará, obrigatoriamente, um ponto de vista sobre a vida humana em geral que a levará a considerar a sua actividade importante e boa.

Pensa-se normalmente que o ladrão, o assassino, o espião, a prostituta, reconhecendo a sua profissão como má, têm vergonha dela. Na realidade, acontece precisamente o contrário. As pessoas que, pelos seus destinos e pelos seus pecados e erros, caíram numa certa situação, por mais incorrecta que seja, formam geralmente para si mesmas uma noção de vida tal que lhes permite imaginar a sua situação como boa e respeitável. Para se consolidarem neste seu ponto de vista, tais pessoas, por instinto, aderem a um círculo humano em que se reconhece como correcta a noção que formaram da vida e do seu lugar nela. Este facto espanta-nos quando se trata dos ladrões que se gabam da sua habilidade, das prostitutas que se gabam da sua depravação, dos assassinos que se vangloriam da sua crueldade. E apenas nos espantamos porque o círculo, ou o ambiente, dessa gente é limitado e , antes de mais, porque estamos fora dele. Mas será que não acontece o mesmo fenómeno entre os ricaços que se vangloriam das suas fortunas, ou seja, da pilhagem, e dos potentados que se gabam do seu poder, ou seja, da arbitrariedade? Não vemos nestas pessoas uma deturpação das noções de vida, do bem e do mal, que justifica a situação delas, apenas porque o círculo que adere a estas noções deturpadas é mais amplo e porque nós próprios fazemos parte dele."

RESSURREIÇÃO, LEV TOLSTÓI

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