sexta-feira, 16 de setembro de 2011

A habituação e a qualidade da mensagem publicitária

Por Eduardo Cintra Torres in Jornal de Negócios

Desconheço se o conceito de compra da nossa habituação às marcas e produtos faz parte das estratégias conscientes dos publicitários, mas considero-a uma das formas mais eficazes de eles alcançarem os seus objectivos: através da inculcação das imagens dos seus clientes no nosso cérebro e no nosso sistema emocional.

Lembrei-me do tema porque um leitor, a respeito do artigo da semana passada sobre o "Livro da Marca" e a campanha da EDP, escreveu que, embora não apreciando a nova imagem da empresa, já se ia habituando; por isso, já a achava menos mal.

É esse o processo da habituação. Julgo poder transpor para a publicidade, numa aplicação minimalista, um conceito muito importante da sociologia a propósito das nossas práticas sociais. Émile Durkheim, na mudança para o século XX, foi buscar ao vocabulário escolástico o termo latino "habitus" para designar o conjunto das aprendizagens adquirida pela criança no decurso da sua educação. Outro sociólogo, Norbert Elias, usou o mesmo termo para evocar o tipo de personalidade originado no processo civilizacional do Ocidente. Mas foi um terceiro sociólogo, Pierre Bourdieu, quem refez o conceito para lhe atribuir um papel central na formação e consolidação das práticas sociais.

Para Bourdieu, o "habitus" é o conjunto de disposições que inculcamos e interiorizamos a ponto de tendermos a reproduzi-las, adaptando-as às condições em que agimos no quotidiano. A inculcação - o modo como se faz com que qualquer coisa entre no espírito de alguém de forma duradoura - é também vista em sociologia como o próprio processo de constituição desses "habitus" ou atitudes sociais adquiridas. Já encontramos aqui uma pista para entender a publicidade na sua faceta social. Através dos "habitus", interiorizamos ao longo da vida ideias e práticas que nos são exteriores: interiorizamos a exterioridade. É também o que nos sucede com a publicidade.

Falta referir uma terceira dimensão do "habitus": aquilo que é inculcado e passa a ser parte do espírito transforma-se depois em percepções, pensamentos e acções próprias de uma determinada cultura. Pomos em prática o que não era nosso, mas que fomos absorvendo do exterior. Ora, isso também é uma intenção primordial da publicidade: depois de inculcada a imagem ou a mensagem, convém que a transformemos em impulso de compra.

Na publicidade, o processo de habituação obtém-se pela repetição da mensagem. Só vendo, ouvindo e lendo muitas vezes os anúncios ficamos predispostos a aceitar slogans, logótipos, narrativas, produtos, serviços e marcas que antes desconhecíamos ou de que não gostávamos, como sucedeu ao leitor cuja mensagem suscitou este artigo.

A repetição inculca. Todos sabemos isso há muito, mas convém lembrar o "óbvio" de vez em quanto, porque as verdades mais importantes escondem-se muitas vezes por trás das coisas "óbvias" a que não ligamos nenhuma - por serem óbvias!

No caso dos "habitus" inculcados nas pessoas por meio de uma actividade comercial sistemática, persistente e concebida profissionalmente - a publicidade - convém recordar aqui outra verdade "óbvia": como a repetição é essencial para alcançar o objectivo, as campanhas devem ser, se possível (isto é, se houver orçamento), absolutamente esmagadoras, presentes diversas vezes ao dia em todos os media de comunicação social e nas ruas. Isso significa que só as grandes empresas, como a EDP, conseguem inculcar as suas mensagens e imagens com razoável eficácia, através de grandes campanhas.

E desta reflexão resulta uma terceira realidade "óbvia": é que a repetição esmagadora consegue a inculcação em muita gente, quer a campanha seja boa, quer seja má. O que também significa que publicitários com grandes orçamentos têm sucesso com muito mais facilidade do que publicitários trabalhando com pequenos orçamentos, mesmo que as campanhas destes sejam de melhor qualidade.

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