quinta-feira, 11 de março de 2010

"É UM TÍPICO EXEMPLO DE CARNEIRADA"

Excerto , com supressões, da entrevista de Luís Ricardo Duarte a Bernardo Fachada para a revista "Aula Magna"

"a universidade transforma-se cada vez mais numa extensão do liceu."



Falta dimensão nacional ás universidades, um dinamismo que extravasse os seus limites físicos?
Faltam, acima de tudo, alunos que a Universidade não se pode dar ao luxo de perder. Como aconteceu no passado. Pessoas que dêem cartas a nível cultural. De outra forma entramos num regime em que o professor ensina a matéria, o aluno estuda-a e depois passa de ano.


Como explicas esse comodismo?
Hoje em dia, o ano lectivo está dividido em festas, não em épocas de estudo. A recepção aos caloiros, os finalistas, entre outras. É a lógica institituída. Depois acontecem coisas espantosas. Como é possivel que, em Coimbra, uma cidade com poucas iniciativas culturais, haja tantos jovens a viver juntos e mesmo assim não conseguem fazer nada? Como é possível que a proximidade entre um estudante de artes, literatura, ciências, comunicação social produza tão pouco? Também não será em Lisboa que se vai conseguir isso, quando ás quatro da tarde toda a gente apanha o comboio para ir para a sua casa.




Fala-se muito em Cambridge, mas ninguém aposta a sério na criação de um modelo semelhante. É esse o problema?
Sempre foi esse. Em Espanha, por exemplo, quase se criavam esses espaços artificialmente. Fundaram-se escolas com determinados professores ao lado de vários alunos e assim nascia uma geração. Lorca, Dalí e Buñel foram companheiros de quarto, numa escola criada para fabricar uma geração. E resultou. É estranho que não se passe o mesmo aqui. Por outro lado, nem sempre os alunos gostam do que estão a estudar. Não se interessam.

Se por um passo de mágica fosses nomeado Reitor que medidas é que tomavas?
(...) As universidades deveriam poder mandar embora todos os professores que foram contratados nos anos 80 para encher buracos e que correm o risco de se tornarem catedráticos. (...) Fazem falta bibliotecas com livros, (...).


Terias então de ser nomeado Ministro?
Para resolver o problema também era preciso que os alunos deixassem de se preocupar com os trajes e passassem a pensar neles próprios e nas suas profissões. (...) O ofício dos estudantes é estudar, andar para a frente. É saber fazer uma investigação séria e não de liceu. Saber a diferença. Pensar. Ser criativo. Ter interesse no que se está a fazer. (...)


O que não falta em Portugal é espaço para um bom jornal, pois não há nenhum.


O cenário que descreves faz de ti activista. És aluno de manifestações?
Não. Sou completamente contra as manifestações colectivas dos universitários.


Completamente contra?
Nunca lhes encontro sentido. (...) Na FCSH nem se consegue expllicar ás pessoas que há cinco anos não havia praxe... E que elas são ridículas, absurdas e de uma baixeza sem descrição. Tudo porque um ano em que 80 por cento dos alunos (que entraram para ali por não ter entrado em mais lado nenhum) se decidiu a inventar uma tradição. Não é para isso que uma universidade serve. Vai uma grande distância entre ensino público e ensino para todos.


Em que sentido?
Há pessoas que não têm de estar no ensino superior. Simplesmente porque não gostam de estar lá, nem querem.


Vão atrás de um sonho alheio?
Vão atrás de um vício social. É um típico exemplo de carneirada. Seguem todos atrás uns dos outros por aí fora. Há faculdades que não têm coisas para ensinar a toda a gente.


No teu caso, foste para teres aulas com o Alberto Pimenta. O que mais gostas na obra dele?
A capacidade de trabalho. A minha faceta de activista é essa. Ser um defenso do ofício. Tenho professores com uma grande intuição para o ensinam. Mas também outros que são geniais e que trabalham 40 horas para dar uma aula. Aprecio muito isso. Que alguém me mostre que teve 100 horas a fazer um enunciado de uma frequência.


Essa valorização do trabalho é quase uma heterodoxia num país em que que a corrupção está na ordem do dia?
(...) Cursos de três anos!, exclamam, não pode ser, tem de ser de cinco, como na Sorbonne... Fazer um paper por semana?, indignam-se, isso é para as más universidades da América e de Inglaterra. Importante é ler uma bibliografia de 1.500 livros para ao fim de três anos fazer um ensaio... Não se tentou implementar com Bolonha a filosofia que lhe está subjacente. Por mais intuição que tenhas, a ideia tem de durar três anos. Quando devia ser o contrário. Desenvolves essa ideia esta semana e para a próxima tens outra, se faz favor. Mas continua-se a alimentar esse espírito: é um rapaz muito intuitivo, teve uma boa ideia, vamos lá puxar por isso durante três anos para fazer uma tese.

O modelo de Bolonha agrada-te?
Muito. Está bem pensado. E não é suposto as universidades, principalmente nas não cientifícas, reterem os alunos. Todos têm o direito a frequentar uma universidade pública. Mas se não querem aprender não vamos retê-los e obrigá-los a ser criativos. Quem pensar assim tem de ser despachado em três anos. Fica com um canudo de um curso que, de três ou cinco anos, como sabemos, não serve para nada.

2 comentários:

  1. A proposito de Bolonha.. Este semestre houve uma revolução na FFUC.. Houve uma ordem que foi acabar com as frequencias e passar a ser tudo por exame final... A proposta tinha como finalidade que os alunos trabalhassem ao longo do semestre para todas as cadeiras e nao se preocupar apenas com aquelas que eram por frequencia e evitar assim que os alunos faltem ás aulas para ter de estudar para as frequencias... Ao que muita gente ficou desegradada... porque pensam que o objectivo de Bolonha é eliminar materia... O termo avaliaçao continua não é muito percebido, e esta gente quer é eliminar materia.. Para todos os efeitos é mais facil, isto pra que quer apenas passar de ano, mas é muito pior para quem quer aprender realmente alguma coisa...

    Infelizmente hoje quase só se tiram cursos nao para aprender mas para nao ter de ficar a lavar escadas... por isso ha cada vez piores profissionais...

    As médias nao sao tudo, e infelizmente é o que mais pesa quando se quer tentar arranjar um emprego...

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  2. Concordo com o que o entrevistado diz, a ideia de bolonha e excelente, no entanto muito muito mal aplicada. Segundo o processo de bolonha o objectivo da redução de horas seria ceder ao aluno espaço para consultar outras matérias, evitando assim a especificidade das materias subjacentes a alguns cursos.Bolonha surgiu, então, com uma nova concepçãod e conhecimento, não interessa saber tudo de uma área, mas saber bem acerca de tudo, de forma a que sejamos melhores profissionais. Problema crasso, reduziram o nr de anos de curso, ou seja na prática existem cortes de materia e para além disso materia estudada por nos mesmos alvo de avaliação (com isto onde existe tempo para o enriquecimento cultural?)

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