quarta-feira, 10 de março de 2010

A LIÇÃO DE UM CASTING*


No frenesim do programa, a primeira prova do Filipe terá passado como um episódio menor. Não foi. Aquele casting ficará na história de um programa que testa, nos limites, o talento e a maturidade. Acima disso, ficará na história da televisão. O casting de Filipe é de antologia sociológica. Para estudo. Um caso simbólico das relações e dos MEDOS que ESTE TEMPO promove.

O nervosismo do rapaz não era só fruto da rebeldia e da timidez, própria da idade, que soube ultrapassar diante da pressão dos avaliadores e, posteriormente, no espectáculo da televisão – e é, em primeiro lugar, disso que se trata, de um concurso de entretenimento na televisão.

Filipe transpirava outra “revolta”. Um eco da cultura vigente, no âmago de dramas mais profundos e estruturantes.

Quando, na hora de hesitar sobre a participação no concurso, o júri o questionou sobre um eventual medo da “rejeição”, Filipe esclareceu que o medo – o seu medo, que é também o medo de uma geração – tem outra origem: “tenho medo de falhar”.

Este é um tempo sem tempo para falhas. Num aparente paradoxo, mais ironia que destino, vivemos na abundância da incompetência com a banalização da irresponsabilidade, e é neste cenário que aumenta o medo de falhar, quando o sentimento de injustiça prevalece… Esta geração, (des)orientada pelas falhadas gerações que a antecedem, arrisca-se ter medo de arriscar.

Num mar agitado pela incoerência social mediaticamente ampliada – da política às empresas, passando pelas relações familiares – falhar pode ser fatal. O futuro, incerto e imprevisível, não se compadece com falhados.

O dilema do Filipe soa ainda a metáfora, também própria da sua geração. A legítima resistência contra um “status” imposto, em exposição triunfalista e eufórica, que tritura e se apresenta como inevitável.

"Gosto de tocar para as pessoas, não gosto de ser obrigado a ir para um caminho", explicou o Filipe. "Se queres fazer o teu percurso – sozinho –, com toda a originalidade e valor que tens, tiro o chapéu", contrapôs o júri e músico Laurent Filipe. "Há uma parte de mim que quer vir cá, e outra que não", dizia o Filipe.

Que ousadia, rapaz! Dizê-lo honestamente diante de quatro pessoas que, para todos os efeitos, te iam avaliar na rotina matreira do programa, é uma ousadia impregnada de saudável ingenuidade.

A máquina do efémero funcionou mais uma vez. Bênção e maldição. Ecrã e projector. Feira de vaidades e de humilhações. Nem o programa nem o jovem artista estão imunes a uma certa lógica mediática, que constrói e destrói com a mesma facilidade. Transforma o privado em público ou reduz o público ao insignificante. Capaz de fazer “ídolos” do nada ou desfazer génios num plano de segundos.

Aconteça o que acontecer, o júri Boucherie Mendes antecipou o posfácio naquele primeiro dia de ascensão do Filipe: "as pessoas merecem ouvir o teu talento". O júri Moura dos Santos avisou que "a pessoa que sair o programa, consoante a atitude, será ou não um músico". Roberta Medina acrescentou que o programa serve para ganhar "apenas visibilidade”.

Depois, logo se vê…

Vale a pena rever o casting do Filipe.


* Joaquim Franco
Jornalista

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