quarta-feira, 23 de fevereiro de 2011

Michael Moore escreve aos estudantes de Wisconsin (EUA)

Nos EUA, Madison, milhares de alunos dos liceus de Wisconsin uniram-se à manifestação dos funcionários públicos contra as injustiças políticas laborais do novo Governador.

Michael Moore, cineasta americano, autor do premiado documentário "Tiros em Columbine" entusiasmou-se com a revolta dos estudantes e disponibilizou-lhes o seu site para se expressarem livremente. Enviou-lhes uma carta aberta pedindo que se rebelem.


A carta segue abaixo:

"Caros estudantes dos liceus:

Que inspiração a vossa, juntando milhares de estudantes das escolas de Wisconsin, deixando as salas de aula há quatro dias e agora ocupando o prédio do State Capitol e arredores, em Madison, exigindo que o governador pare de assaltar os professores e outros funcionários públicos!

Tenho de dizer que é das coisas mais entusiasmantes que vi acontecer em anos.

Vivemos hoje um fantástico momento histórico. E aconteceu porque os jovens em todo o mundo decidiram que, para eles, basta. Os jovens estão em rebelião – e está na hora!

Vocês, os estudantes, os jovens adultos do Cairo, no Egipto, a Madison, no Wisconsin, estão a começar a erguer a cabeça, a tomar as ruas, a organizar-se, a protestar e a recusar dar um passo de volta para casa se não forem ouvidos. Totalmente sensacional!!

O poder está a tremer de medo, os adultos e velhos tão convencidos que estavam julgando que tinham feito um óptimo trabalho ao calar-vos, distrair-vos com quantidades enormes de parvoíces até vocês se sentirem impotentes, mais uma engrenagem da máquina, mais um tijolo do muro. Alimentaram-vos com quantidades absurdas de propaganda sobre “como o sistema funciona” e mais umas quantas mentiras sobre o que aconteceu na história - estou admirado por vocês terem derrotado tamanha quantidade de lixo e estejam afinal a ver as coisas como as coisas são.

Fizeram o que fizeram, na esperança de que vocês ficariam de bico calado, entrariam na linha e obedeceriam às ordens e não sacudiriam o bote. Porque, se agitassem muito, não conseguiriam arranjar um bom emprego! Acabariam na rua, mais um freak. Disseram que a política é suja e que um homem sozinho nunca faria diferença.

E por alguma bela razão, desconhecida, vocês recusaram-se a ouvir. Talvez porque vocês deram conta que nós, os adultos maduros, lhes estamos a entregar um mundo cada vez mais miserável, as áreas polares derretidas, salários de fome, guerras e cada vez mais guerras, e planos para empurrá-los para a vida. Aos 18 anos, cada um de vocês já carrega a dívida astronómica do custo da formação universitária que terão de pagar ou morrerão tentando pagar.

Como se não bastasse, vocês ouviram os adultos dizer que vocês talvez não consigam casar legalmente com quem escolherem casar, que o vosso corpo não vos pertence, e que, se um negro chegou à Casa Branca, só pode ter sido falcatrua, porque ele é um imigrante ilegal que veio do Quénia.

Sim, pelo que estou a ver, a maioria de vós rejeitou todo esse lixo. Não esqueçam que foram vocês, os jovens adultos, que elegeram Barack Obama. Primeiro, formaram um exército de voluntários para conseguir a indicação dele como candidato. Depois, foram às urnas em números recordes, em Novembro de 2008. Vocês sabem que o único grupo da população branca dos EUA no qual Obama teve maioria de votos foi o dos jovens entre 18 e 29 anos? A maioria de todos os brancos com mais de 29 anos nos EUA votaram em McCain – e Obama foi eleito, mesmo assim!

Como pode ter acontecido? Porque há mais eleitores jovens em todos os grupos étnicos – e eles foram às urnas e, contados os votos, viu-se que haviam derrotado os brancos mais velhos assustados, que simplesmente jamais admitiriam ter no Salão Oval alguém chamado Hussein. Obrigado aos eleitores jovens dos EUA, por terem operado esse prodígio!

Os jovens adultos em todos os cantos do mundo, principalmente no Médio Oriente, tomaram as ruas e derrubaram ditaduras. E, isso, sem disparar um único tiro. A coragem deles inspira outros. Vivemos hoje um momento de imensa força, nesse instante, uma onda empurrada por jovens adultos está em marcha e não será detida.

Apesar de eu, há muito, já não ser um jovem adulto, senti-me tão fortalecido pelos acontecimentos recentes no mundo, que quero também dar uma mão.

Decidi que uma parte da minha página na Internet será entregue aos estudantes dos liceus [correspondente ao ensino secundário] para que eles – vocês – tenham meios para falar a milhões de pessoas. Há muito tempo procuro um meio de dar voz aos adolescentes e jovens adultos, que não têm espaço nos média-empresa. Por que a opinião dos adolescentes e jovens adultos é considerada menos válida, nos média-empresa, que a opinião dos adultos maduros e velhos?

Nas escolas de segundo grau em todos os EUA, os alunos têm ideias de como melhorar as coisas e questionam o que vêem – e todas essas vozes e pensamentos são ou silenciadas ou ignoradas. Quantas vezes, nas escolas, o corpo de alunos é absolutamente ignorado? Quantos estudantes tentam falar, levantar-se em defesa de uma ou outra ideia, tentar consertar uma coisa ou outra – e sempre acabam sendo vozes ignoradas pelos que estão no poder ou pelos outros alunos?

Muitas vezes vi, ao longo dos anos, alunos que tentam participar no processo democrático, e logo ouvem que colégios não são democracias e que os alunos não têm direitos (mesmo depois de o Tribunal Supremo ter declarado que nenhum aluno ou aluna perde os seus direitos civis “ao entrar nas portas da escola”).

Fico sempre abismado ao ver o quanto os adultos e velhos falam aos jovens sobre a grande “democracia” dos EUA. E depois, quando os estudantes querem participar nessa “democracia”, sempre aparece alguém para os lembrar de que não são cidadãos plenos e que devem comportar-se, mais ou menos, como servos semi-incapazes. Não surpreende que tantos jovens, quando se tornam adultos, não se interessem por participar no sistema político – porque foram ensinados pelo exemplo, ao longo de 12 anos da vida, que são incompetentes para emitir opiniões em todos os assuntos que os afectam.

Gostamos de dizer que há nos EUA essa grande “imprensa livre”. Mas que liberdade há para produzir jornais escolares? Quem é livre para escrever em jornal ou blog sobre o que bem entender? Muitas vezes recebo matérias escritas por adolescentes, que não puderam ser publicadas nos seus jornais escolares. Por que não? Porque é que alguém tem direito a silenciar e a esconder as opiniões dos adolescentes e jovens adultos nos EUA?

Noutros países, é diferente. Na Áustria, no Brasil, na Nicarágua, a idade mínima para votar é 16 anos. Na França, os estudantes conseguem parar o país, simplesmente saindo das escolas e marchando pelas ruas.

Mas aqui, nos EUA, os jovens são mandados obedecer, sentar e deixar que os adultos maduros e velhos comandem o show.

Vamos mudar isso! Estou abrindo, na minha página, um “JORNAL DA ESCOLA” [orig. "HIGH SCHOOL NEWSPAPER", em http://mikeshighschoolnews.com/]. Ali, vocês podem escrever o que quiserem, e publicarei tudo. Também publicarei artigos que vocês tenham escrito e que foram rejeitados para publicação nos vossos jornais escolares. Na minha página vocês serão livres e haverá um fórum aberto, e quem quiser falar poderá falar para milhões.

Pedi à minha sobrinha Molly, de 17 anos, para dar o pontapé inicial e para cuidar da página nos primeiros seis meses. Ela vai escrever e pedir-vos que mandem as vossas histórias e ideias e seleccionará várias para publicar em MichaelMoore.com. Ali estará a plataforma que vocês merecem. É uma honra para mim que se manifestem na minha página e espero que todos aproveitem.

Dizem que vocês são “o futuro”. O futuro é hoje, aqui mesmo, já. Vocês já provaram que podem mudar o mundo. Aguentem firmes. É uma honra poder ajudar.

P.S. Podem começar já. Façam o registo e inscrevam-se (podem inventar um nome, se quiserem e não precisam de declarar em que escola estudam).
Depois de inscritos, mandem tudo, blogs, música, vídeos e o que mais quiserem.

P.P.S. Se você recebeu essa mensagem e não é adulto jovem ou não está na escola, distribua a mensagem mesmo assim, para todos os estudantes e não-estudantes que você conheça."

Michael Moore


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