quarta-feira, 14 de abril de 2010

"Há universidades e politécnicos a mais?"

Texto de João Pedro Barros, publicado na revista AULA MAGNA
Com supressões


A rede do ensino superior público português compreende 15 universidades públicas e 15 institutos politécnicos, com realidades muito distintas.
Entre os 2.267 alunos do Instituto Politécnico do Cávado e do Ave, a mais pequena destas instituições, e os 27.372 inscritos na Universidade do Porto, a maior, há uma enorme diferença.
No ensino privado, há 97 unidades orgânicas com registo na base de dados do Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior. Nestes dias de globalização, o tamanho importa e é essencial para o sucesso a nível internacional, pelo que vários estabelecimentos de ensino superior europeus e norte-americanos se envolveram em processos de fusão ou de concentração.
Nova Iorque, Amesterdão e Estrasburgo são exemplos mais ou menos recentes, até porque a pujança das universidades chinesas ou indianas a isso obrigou. Voltemos a Portugal: será a dispersão das nossas instituições exagerada? O Reitor da Universidade de Lisboa, António Nóvoa, colocou o dedo na ferida no seu discurso de abertura do ano académico, em Novembro. Sem grandes rodeios, considerou «absurda» a actual malha de instituições públicas e frisou que nunca existiu em Portugal uma «universidade de referência no plano internacional».
Será a sua opinião consensual?
A Aula Magna foi ouvir uma série de personalidades ligadas ao meio académico para perceber que soluções se podem adoptar. A dispersão é, sem margem para dúvidas, mais evidente em Lisboa. Na capital, existem quatro universidades públicas (...) que, em alguns casos, oferecem formações concorrentes.
(...)
António Nóvoa já manifestou vontade de juntar a Universidade de Lisboa à Universidade Técinica de Lisboa, criando a maior instituição de ensino superior portuguesa, com mais de 42 mil alunos. Não faltam vozes a falar numa mega-universidade, como Paulo Teixeira Pinto. Porém, o Reitor, em declarações à Aula Magna, rejeita o título. «Seria um erro [uma mega-universidade]. Mas também não me conformo com a proliferação de instituições, paroquiais, sem verdadeira
dimensão universitária.
Pode, e deve, haver instituições especializadas, de ensino e investigação, que têm uma acção de referência em certos domínios. Mas uma Universidade é outra coisa. É um lugar único, plural, onde é possível um diálogo entre disciplinas muito diversas», argumentou.


O discurso do Reitor concentrou-se, em boa parte, na situação em Lisboa,mas não esqueceu o
resto do país, onde há «várias instituições nas mesmas cidades» e «universidades a 50 quilómetros umas das outras». Pedro Saraiva, deputado do PSD e membro da Comissão de Educação e Ciência revelou outro número: «Se olharmos não apenas para a rede pública, mas igualmente para a privada e cooperativa, existem em Portugal mais de 150 instituições de ensino superior. Atendendo à dimensão geográfica e populacional do nosso país, trata-se de um número anormalmente elevado». Ainda assim, António Nóvoa adopta um discurso que é seguido de forma consensual pelas personalidades ouvidas pela Aula Magna, o de que é possível «dar corpo » às instituições sem recorrer a soluções mais radicais. «Não advogo a extinção de instituições. As diferentes universidades e politécnicos ganharam uma identidade própria e, de um modo geral, têm dado um importante contributo nas suas regiões. Mas é urgente encontrar formas de articulação, de cooperação e de associação entre as instituições», reforçou.

O socialista Manuel Mota, afina pelo mesmo diapasão. Na sua opinião, é «relevantíssimo » manter a coesão territorial, para a qual as unidades orgânicas no interior do país dão um contributo valioso, até porque há «muitos alunos que só frequentam o ensino superior devido ao factor proximidade ». O deputado põe mesmo o acento tónico na «necessidade de aumentar o número » de alunos em Portugal (em 2008/09, eram 373 002), (...) não exclui a hipótese de usões, lembrando que «o enquadramento jurídico do Regime Jurídico das Instituições de Ensino Superior permite que as instituições se juntem em consórcio, atingindo uma dimensão qualitativa e quantitativa interessante». Estas parcerias nacionais ou internacionais surgem como uma forma de assegurar dimensão institucional sem que os cooperantes percam a sua identidade ou autonomia. (...)

(...)

Em Portugal, há cerca de 4.000 cursos registados, sendo 1.874 de licenciatura ou mestrado integrado, com mais de 800 designações distintas. (...)

(...)

De resto, o socialista Manuel Mota não quis «condenar» o eventual excesso e/ou falta de qualidade de cursos de «papel e caneta» que proliferam por um grande número de instituições. «Não temos dados de empregabilidade, porque formações de ‘banda larga’ como Direito, Gestão ou Economia proporcionam o acesso a várias funções. Por vezes há erros: em Inglaterra encerraram-se muitos cursos na área educativa e passados uns anos percebeu-se que foi um erro, porque deixou de haver oferta. Há um ciclo de sustentabilidade a manter», notou.

André Moz Caldas salienta outro dado: fundir cursos ou faculdades mais tradicionais, nas áreas da Medicina ou Direito, será sempre muito complicado. «Há uma grande tradição, são cursos muito antigos, com corpos docentes muito conservadores, convencidos de que o seu projecto educativo é o melhor», afirma.

António Nóvoa agitou as águas, porque não quer que as universidades portuguesas «continuem na periferia, sempre a admirar as ‘universidades de excelência’ que existem lá fora».

Pedro Saraiva acrescenta outros dados de reflexão: «Análises do panorama mundial do ensino superior colocam- nos, apesar de resultados de excelência alcançados em determinados sectores e instituições, abaixo da quadragésima posição no que toca à qualidade do sistema de ensino superior, atrás dos países mais habituais, mas igualmente e infelizmente já também da Polónia, Turquia, China, Índia ou Brasil».

Podem chamar-lhe moda mas o fenómeno de concentração de recursos e de cooperação institucional que se espalhou por todo o mundo está aí para durar e dar que falar. Talvez tudo se resuma a uma simples frase do Reitor da Universidade de Lisboa: «O tempo do small is beautiful já passou».

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